Canudos, Bahia - 2009/2010

112 anos após a guerra, estamos no vilarejo de Canudos Velho.

A viagem é fruto de um projeto musical de três meses que envolve os grupos musicais tradicionais da região, bandas de pífanos e trio de forró com sanfona oito baixos.
Nosso grupo, Mulungu, viaja por essas "varedas" do sertão baiano e redescobre um lugar incrível.
Aqui algumas histórias que temos para contar...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

histórias verídicas das varedas: zabumba do céu

- Quando eu era moleque, tava cuidando da roça de arroz de meu avô mais meu primo e quando deu 12 horas escutemos um toque de zabumba vindo lá do céu.
E nóis moleque, não sabia ainda, e saímos é tocando zabumba junto. Era um bendito e de um toque bem feito, bem tocado, certinho no compasso.
Eram os anjos que tocavam.
E mais gente já ouviu também, não é não, Olimpio?
- E é! Eu mesmo já ouvi.
- Eta musica boa danada!

o trabalho das mulheres


penélopes dos povos de dentro

elas tecem o tempo todo e a rede de pesca para a temporada.
não há mar, mas os maridos pescam no açude. e a rede se desfaz.
depois, é remendar e refazer. e o tecer se refaz.

culinária sertaneja: bode, comida de macho



em canudos, come-se bode. e como já faz um certo tempo, chamam de tradição.
sob esse nome, algumas práticas tendem a ser defendidas como algo necessariamente positivo. e com isso, cria-se a ilusão de resistência.


mas nem tudo. não me lembro de ninguém que tenha, em qualquer época, defendido o canibalismo de nossos índios como uma tradição a ser preservada.
certas tradições não devem ser defendidas.

os bodes e cabras parecem ter uma vida boa e tranquila em pequenos vilarejos como canudos velho. são criados soltos, reproduzem-se naturalmente etc. mas têm uma vida curtíssima: entre um ano e meio e dois anos. esses animais chegam, se têm uma vida normal, até os 25 anos de idade, disse-me seu olímpio, morador do lugar. isso significa que eles vivem menos de dez por cento de sua vida, se fossem homens, seria como se vivessem por seis ou sete anos apenas.

é possível viver em canudos sem comer a carne de bode? sim. prova disso é que nós (bruno e eu) vivemos. e foi incrível ver como as mulheres e crianças que comiam conosco, em nossa casa, perguntavam o tempo todo os nomes dos legumes e verduras que nós tínhamos comprado em um feira local, a mesma em que elas fazem compra. a variedade de legumes e verduras não é tão grande como em são paulo, mas também não é difícil de variar o cardápio sem comer carne. mais forte que a escassez, é o forte costume de substituir grande parte dos alimentos pela carne de bode.


há os que defendam a manutenção desta alimentão como algo caro à tradição e cultura do lugar (vide câmara cascudo, em "viajando o sertão"), e eu assino em baixo, desde que as práticas que prejudicam a saúde das pessoas e a vida dos animais sejam substituídas por outras mais saudáveis e justas.
aprecio cascudo, mas é preciso reconhecer que é ignorância endossar a idéia de que "quem come folha é lagarta", e que a carne é o alimento viril que faz com que o homem tenha a resistência necessária em um ambiente hostil.
pura ignorância.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

bestiário I

da voz dos animais

antes do homem vir à terra, os bichos falavam. cada um dos assuntos que gostava, claro. Os bichos têm muita personalidade. depois, foram perdendo a fala, e hoje ouvimos só resquícios dos antigos diálogos...
















bode

québebêeee québebêeee


e um dia tava eu caminhando mais meu compadre quando ouvimos: qué bebêeee... qué bebêee...
- olha compadre, não é que abriram um bar aí?! bora lá!
andemos, andemos... e quando cheguemos lá, tinha é um bode:

- quembebêubebêeeeeu... quenumbebeu numbébe maaaaaaaais...



acauã

pacóva pacóva
eita bicho agoirento!
quando canta o acauã é difícil um não morrer!

adeus conselheiro

e o sertão vai virar lá...


jaquison


jaquison: o menino de vida dura, cuidou da casa e se virou sozinho desde pequeno.
sua maior preocupação hoje é... seu celular polivalente ganhado em um rifa: "por que o bluetooth não funciona??"
tira fotos, escuta música bem alta, mas não faz ligações...

jaquison tem 17, e mora com a gente. difícil é seu gosto musical ser influenciado por nós. com o celular, ele escuta todo o tempo os pops americanos nas versões sertanejas que acompanham os carros de som por aqui.

levanta às seis, pega seu celular e uma espingarda e vai caçar capivara para comer.
falta comida? não. força do hábito.

almoço posto: vamos almoçar, jaquison?
não, vou comer cocada.
figura...

famílias entrelaçadas


fernanda e rebeca

- lhe digo o que ela é minha? digo não. diga você!
- prima.
- não.
- irmã.
- não.
- tia.
- não. é prima-irmã.
- como assim?
- é assim ó: quando acaba a primeza começa a irmãzeza, quando acaba a irmãzeza começa a primeza.
- ah é?!
- é!
- então vocês têm a mesma mãe?
- não. nóis tem o mesmo pai. é que painho tem duas mulher.
- entendi: irmãs por parte de pai e primas por parte de mãe.
- é!